Sunday, 6 November 2011
O ladrão de sombras, Marc Levy
(...)
"Havia
uma multidão à minha volta, passageiros que avançavam para as portas da
estação. Teria querido estar entre aqueles para quem a Terra continuava
a girar como se nada se tivesse passado, quando para mim a Terra
acabava agora mesmo de parar.
Luc
disse: «A tua mãe morreu, meu caro», e eu senti uma punhalada rasgar-me
as entranhas. Luc continuava a abraçar-me, enquanto os soluços tomavam
conta de mim. Dei um grito na plataforma da estação, ainda hoje me
lembro disso, um uivo surgido da minha infância; Luc continuava a
abraçar-me com mais força para que eu não caísse, dizendo-me baixinho:
«Grita, grita como quiseres, estou aqui para isso, meu caso.»
Nunca
mais voltarei a ver-te, nunca mais te ouvirei chamar-me como
antigamente fazias de manhã, nunca mais sentirei o perfume de âmbar que
combinava tão bem contigo. Nunca mais poderei partilhar contigo as
minhas alegrias e os meus desgostos, nunca mais contaremos as nossas
coisas um ao outro. Já não arranjarás mais, na grande jarra da sala de
estar, os ramos de acácia que eu apanhava para ti nos últimos dias de
Janeiro, nunca mais usarás o teu chapéu de palha no Verão, nem a estola
de caxemira que punhas pelos ombros nos primeiros frios de Outono. Já
não acenderás o lume na lareira quando as neves de Dezembro cobrirem o
teu jardim. Partiste antes da chegada da Primavera, deixaste-me sem me
prevenires, e nunca mais na minha vida me senti tão só como agora no
cais desta estação onde fiquei a saber que já não existias.
«A
minha mãe morreu hoje», esta frase, por mais que a repetisse cem vezes,
cem vezes não conseguia acreditar nela. A ausência nascida no dia em
que a minha mãe partiu nunca mais me deixou.
(...)
Na
adolescência, sonhamos com o dia que deixaremos os nossos pais, num
outro dia são os nossos pais que nos deixam. Nessa altura, não sonhamos
com mais nada senão em podermos voltar a ser, nem que seja por um
instante, a criança que vivia sob o tecto dos nossos pais, tomá-los nos
braços, dizer-lhes sem pudor que os amamos, apertá-los contra nós para
que nos tranquilizem ainda mais uma vez.
(...)
A caixa estava bem à vista no soalho. Em cima da tampa, encontrei um bilhete escrito à mão pela minha mãe.
Meu amor,
A
última vez que vieste cá, ouvi-te subir ao sótão. Tinha a certeza de
que vinhas aqui, foi por essa razão que marquei este último encontro
contigo neste lugar. Estou certa de que em certos momentos ainda te
acontece falares às tuas sombras. Não penses que estou a brincar, é
apenas uma coisa que me faz lembrar a tua infância. Quando saías para a
escola, eu ia ao teu quarto com o pretexto de o arrumar e quando fazia a
tua cama, pegava na tua almofada para sentir o teu cheiro. Estavas a
cinco metros de casa e eu já sentia a tua falta. Como vês, ser mãe é tão
simples como isso, é nunca deixar de pensar nos filhos; desde o
primeiro instante em que abrem os olhos, ocupam os nossos pensamentos. E
nada nos faz mais felizes. Tentei em vão ser a melhor das mães, mas tu é
que foste o filho que superou todas as minhas expectativas. Serás um
médico maravilhoso.
Esta caixa pertence-te, nunca deveria ter existido, peço-te perdão.
A tua mãe que te ama e te ama ainda e sempre. "
http://www.levoleurdombres.com/
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