Saturday 27 October 2007

Diário de Campo

Diário de Campo
Oh professora, e se a gente não conseguir...?
Teresa Martinho Marques

Depois da aula de apresentação, costumo iniciar o ano nas Ciências da Natureza com um inquérito aos alunos, ao qual devem responder por escrito numa folha à parte, que lhes forneço, ficando claro no enunciado que o objectivo é conhecê-los melhor para melhor poder ajustar o trabalho às suas necessidades e características. (Podem consultar em baixo as questões que o integram.)
Uma espécie de diagnóstico que me situa: a forma como organizam a folha, o grau de desenvolvimento das respostas, os seus interesses e gostos...
Há uma pergunta que invariavelmente é feita nesse dia e me perturba:
Oh professora, isto conta para a avaliação? (Traduzido: isto conta para a nota? )
Afinal eles só estão no 5.º ano e é apenas a segunda aula... já tão entranhada esta ideia de que a avaliação/a nota é o fim único/último de todas as coisas da escola.
Segue-se o discurso habitual, mais tarde aprofundado, sobre as regras do jogo da avaliação, os critérios, os instrumentos, o objecto da dita... que contempla tantas vertentes... e a repetição de que não, não, não... quero apenas conhecê-los melhor.
Acho que no início nenhum aluno acredita no professor. Partirá sempre do princípio de que, se lhe pedem algo, deve ser para avaliar, dar uma nota qualquer de uma maneira ou de outra mais ou menos camuflada, mas nota, assim mesmo.
Este ano não foi excepção. E depois das imensas e naturais dúvidas e de ter repetido várias vezes qual era o objectivo do inquérito, surgiu uma pergunta que nunca me foi feita antes e que conseguiu perturbar-me muito mais do que a que já referi. Uma das meninas mais pequeninas, 9 anos, coloca o dedo no ar e interroga:
Oh professora, e se a gente não conseguir dar as respostas que a professora quer?
Só consegui responder: mas eu não quero nenhuma resposta! Eu não faço essas perguntas sabendo a resposta ou esperando uma resposta. Cada um dará a sua resposta, porque as perguntas dizem respeito a cada um, ao que sente, espera, sabe, conhece, já fez, gosta, não gosta... coisas pessoais. Como seria possível eu querer uma certa resposta com perguntas destas?
Os 28 olham para mim e sinto que, finalmente, ao fim de uma hora, consegui conquistar o benefício da dúvida.
Serenam enfim e dedicam-se ao trabalho.
Serenam.
Mas eu continuo perturbada.
Não sei onde nasceu esta pergunta que todos guardam em si mas que só teve som na voz de uma menina. Mas agradeço a quem lhe deu voz. Porque me fez pensar profundamente sobre o significado da escola e da educação. Sobre esta ideia que se entranha de que quando há uma pergunta no ar, só existe uma resposta: aquela que o professor quer.
Perverso. Mas muito real.
Não deixarei fugir de mim esta perturbação.

in Correio da Educação



Pensando algum tempo neste texto verifiquei que infelizmente é verdade. Os alunos têm de escrever aquilo que nós queremos senão ou está errada, ou incompleta. Mas até que ponto eles não terão também razão? Tinha um professor na faculdade que dizia "Todas as respostas estão correctas se bem justificadas". Infelizmente no nosso ensino não é assim que funcionamos. Ou os alunos escrevem aquilo que NÓS queremos ou então ... no mínimo está incompleto. Que mal não crêem?

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